COART abre o mês com celebração à ancestralidade e à criatividade

Programação da primeira semana de maio promoveu diálogo entre tradição, experimentação e identidade cultural


Por Samira Santos


Na primeira semana de maio, a COART transformou o Centro Cultural da Uerj em um verdadeiro território de celebração da arte. Com uma programação diversa, que transitou entre literatura, cinema, performance poética e música, a COART reafirmou seu papel como espaço de criação artística.

O ponto alto da semana foi o lançamento do livro “Compromisso Ancestral”, da Mãe Celina de Xangô, realizado no dia 6 de maio. Em um auditório lotado e emocionado, a artista plástica, atriz e ativista compartilhou com o público uma jornada que vai além da palavra escrita: uma travessia espiritual e histórica que conecta passado, presente e futuro. Ao longo da roda de conversa, ela arrancou sorrisos e entusiasmo da plateia.

“Eu conto aquilo que eu vivenciei”

“Eu escrevo como eu falo”, disse Mãe Celina durante entrevista à COART. “Não adianta escrever um livro que a pessoa tem que ficar lendo duas, três vezes pra entender. No meu livro, na primeira leitura, você já entende tudo. É sentar e abrir o coração.”

Essa escrita confessional e afetiva, baseada em sua própria vivência e nas memórias que carrega de sua ancestralidade, é o fio condutor de Compromisso Ancestral. O livro foi construído em coautoria com os professores Denílson de Oliveira, Simone Ferreira e com mapas produzidos por Felipe dos Santos. Juntos, eles constroem uma narrativa que preserva a memória de um povo, conectando espiritualidade, território e história.

“Eu comecei a pensar em preservar essa memória do lugar onde as minhas [ancestrais] chegaram”, disse Celina, referindo-se às mulheres negras que foram arrancadas de sua terra natal e trazidas ao Brasil. “Porque não tem como falar de Candomblé, de capoeira, sem falar desse povo ancestral que começou toda essa história aqui no Brasil.”

Do Valongo à Uerj: um compromisso com a história

A escolha da Uerj para o lançamento da obra foi estratégica e simbólica. “Por que não na academia?”, provocou Mãe Celina. “Nada melhor do que trazer essa história para dentro da academia, que é um lugar que a gente tem que se apropriar.”

Roda de conversa com a Mãe Celina (Foto: Equipe COART)

Conhecida por seu trabalho no Centro Cultural Pequena África e por sua atuação no Cais do Valongo – o maior porto de entrada de africanos escravizados nas Américas – Mãe Celina vê a universidade como um espaço de disputa narrativa. Ali, ela transforma dor em linguagem, apagamento em memória, silêncio em fala. “O Cais do Valongo é o meu muso inspirador. Vem de tristeza, de angústia, e eu transformo isso em uma coisa especial.”

A participação do músico e pesquisador Rubem Confetti na roda de conversa também emocionou o público. “Ele é o meu criador, meu inventor, como eu digo. Criou essa Celina e jogou ela pro mundo”, disse, sorrindo. “Essa memória tão rica dele é um presente, e hoje é uma homenagem também.”

Cine Cartola: a arte da adaptação

No dia seguinte, quarta-feira, 7 de maio, o Auditório Cartola recebeu a sessão do Cine Cartola com o filme “Adaptação” (2002), dirigido por Spike Jonze. A exibição faz parte do ciclo Vida de Artista e atraiu estudantes e curiosos interessados na relação entre crise criativa e produção artística.

O longa protagonizado por Nicolas Cage em dois papéis – como o roteirista Charlie Kaufman e seu irmão gêmeo Donald – gerou discussões sobre o processo de criação, bloqueios criativos e as diferentes formas de lidar com a arte e a indústria cultural. 

Festa Estranha: a poesia do inusitado

Na quinta-feira, 8 de maio, foi a vez da performance “Festa Estranha”, de Lucas Mattos, tomar conta do Auditório Cartola. A obra, que mistura teatro, poesia, música e elementos visuais, celebra os 15 anos de carreira do artista e propõe uma reflexão sobre o cotidiano e suas camadas de sentido.

Lucas Mattos na sua apresentação no Auditório Cartola (Foto: Equipe COART)

“Sabendo que a vida é toda estranheza”, escreveu o autor na apresentação do espetáculo, “convido o público para festejar comigo.” E o público aceitou o convite: a performance provocou risos, silêncios atentos e comoção. Os bonecos da Companhia Teatral Nosconosco, os poemas recitados, a trilha sonora composta com Dimitri BR. tudo isso compõe um mosaico de sensações que reafirma a força da arte como espaço de encontro e resistência.

Esquenta na Coart: música pra celebrar

Encerrando a semana, na sexta-feira, 9 de maio, o projeto Esquenta na COART recebeu o show do cantor, compositor e multi-instrumentista Cristiano Fernandes, estudante da Uerj. Em um formato intimista, voz e violão, o artista apresentou um repertório que passeou por gêneros como MPB, samba, reggae e pop rock.O público conferiu releituras de clássicos da música brasileira, além de três composições autorais: Mar de Jade, Não Sai da Praia e Oração para São Jorge. O clima foi de conexão e afeto — um convite à escuta sensível e celebrando a produção artística dentro da universidade.

Apresentação de violão do Cristiano (Foto: Equipe COART)


Cristiano Fernandes também integra o grupo “Pagode da Alta” como cavaquinista e participa da Bateria dos Hooligans da Alta. Em seu perfil no Instagram (@instacristianofernandes), compartilha composições próprias e interpretações de canções brasileiras, sempre valorizando a diversidade musical nacional.

A apresentação fez parte da proposta do Esquenta na COART, iniciativa que, todas as sextas-feiras, transforma o Salão 2 da COART em ponto de encontro para a comunidade acadêmica, com eventos variados como slams, comédia em pé, performances, duelos de rima, ilusionismo de palco, entre outros. 

Memória como território

Ao longo da semana, a COART reafirmou seu compromisso com a diversidade artística e com a valorização de vozes que transformam a dor em resistência e a memória em matéria viva. O evento de Mãe Celina, especialmente, sintetiza essa missão.

“Contar uma história com testemunhas por perto, com pessoas por perto… Isso é muito bom, né?”, disse Celina. “Isso aí é crédito caro, não paga.”

entrevista a COART com a Mãe Celina (Foto: Equipe COART)

A memória, neste caso, não é apenas lembrança: é território, é linguagem, é revolução. E como disse a própria autora, para quem deseja começar a escrever, o conselho é simples e profundo: “Conte primeiro a sua própria história. Porque se você contar a sua própria história, você vai contar todas as outras.”

A COART abriu o mês de maio com chave de ouro. E nos lembrou, com arte, afeto e ancestralidade, que há muitas histórias ainda por contar — e que todas elas cabem, pulsantes, dentro de uma mesma semana.

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