Grotesco, charme e ancestralidade: uma semana com a cara da Uerj

Por Samira Santos

Na semana de 12 a 16 de maio, a COART promoveu uma programação marcada pela diversidade e resistência. Entre oficinas, filmes, danças ancestrais e bailes, a arte mostrou-se como instrumento de experimentação e potência. A seguir, destacamos os principais eventos da semana, com foco na oficina “Desenho a partir do grotesco” e um bate-papo exclusivo com os artistas Renan Henrique Carvalho e Hugo Bernabé.

Uma outra forma de desenhar: o grotesco como liberdade

Na segunda-feira, 12 de maio, teve início a oficina “Desenho a partir do grotesco”, do Projeto COART Co(m)vida, ministrada por Renan Henrique Carvalho e Hugo Bernabé, dois jovens artistas visuais com trajetórias que se cruzam entre a pesquisa acadêmica e a prática de ateliê. A proposta é ousada: ensinar desenho partindo da estética do grotesco, desconstruindo a noção tradicional do belo, promovendo liberdade criativa e aceitação do erro.

A oficina, que acontece na Sala 14 do Centro Cultural da Uerj, segue nos dias 19 e 26 de maio, sempre às 14h, com vagas limitadas e contribuição consciente. O curso se baseia em técnicas clássicas de desenho, proporção, perspectiva, anatomia, mas o objetivo não é o refinamento técnico tradicional. Ao contrário, os inscritos são convidados a deformar, subverter e questionar os padrões estéticos dominantes.

Oficina do Desenho ao grotesco (Foto: Samira Santos)

Renan, graduando em artes visuais, explica que sua pesquisa sempre se pautou pelo “monstruoso e o grotesco”, e que a ideia da oficina surgiu de sua monografia orientada por Renata Gesomino. “A gente pensou em um curso que começa com desenho e termina com pintura, passando por diferentes períodos históricos e artistas que trabalham com o grotesco”, contou.

Já Hugo, artista com forte influência expressionista, professor de xilogravura e pesquisador de técnicas gráficas, se encantou com o convite. “A gente propõe exercícios que fazem o aluno se desprender do medo de errar, do medo do feio, e começar a destrinchar uma poética individual”, explicou. “É uma evolução técnica, sim, mas que parte da liberdade.”

Durante a conversa, os dois refletiram sobre a oposição entre o belo e o grotesco. Renan traçou um panorama histórico da origem do termo, cunhado no Renascimento após escavações no Palácio de Tito, em Roma, e associou a estética grotesca à ruptura com os ideais matemáticos que buscavam proporções ditas como perfeitas. “O grotesco surge como aquilo que foge do antropocentrismo e dos padrões clássicos. Ele se torna belo justamente por isso: por ser livre.”

Os inscritos na oficina, segundo os artistas, estão reagindo bem à proposta. “A primeira aula foi um baque, mas já vimos evolução e liberdade no traço”, afirma Hugo. E Renan conclui: “Quanto mais técnica a gente tem, mais possibilidades de criação a gente constrói.”

Cine Cartola: vida de artista

Na quarta-feira, 14 de maio, foi a vez do Cine Cartola seguir seu ciclo de filmes sobre “Vida de Artista”. O longa escolhido foi Frances Ha (2012), dirigido por Noah Baumbach e protagonizado por Greta Gerwig. Exibido no Auditório Cartola às 16h, com entrada franca, o filme encantou o público ao narrar, com sensibilidade e leveza, os dilemas de Frances, uma jovem dançarina em Nova York que vive entre sonhos, afetos e a instabilidade da vida adulta.

Rodado em preto e branco, o filme traz uma estética melancólica que dialoga com a proposta do ciclo: refletir sobre o fazer artístico para além do glamour. Frances não é uma artista de sucesso. Ela é uma artista em busca, como tantos que frequentam a COART. Com presença crescente de público a cada semana, o Cine Cartola reafirma seu papel como espaço de formação crítica e afetiva. 

Quintal Cultural: o pé no chão 

Na quinta-feira, 15 de maio, o Quintal Cultural apresentou uma edição especial dedicada à cultura indígena, com o espetáculo Carimbó – Dança Ancestral, no Salão 2. Com entrada gratuita, a atividade reuniu dezenas de pessoas em uma celebração potente dos saberes corporais.

Final do evento Carimbó – Dança Ancestral (Foto: Equipe COART)

Clailde Ka’apor, artista e guardiã das tradições de seu povo, conduziu a apresentação ao lado de Denise Cabocla e Maikon Solssa, integrantes do grupo “Entre botos e sereias”. Durante cerca de 40 minutos, o público foi convidado a mergulhar nos ritmos do Carimbó, nas expressões do Boi Bumbá e nos grafismos corporais da cultura Ka’apor.

Além da dança, houve exposição de artesanato e pintura corporal, proporcionando uma experiência imersiva e educativa. Formada em Serviço Social pela própria Uerj, Clailde é exemplo de como a arte pode ser uma ponte entre território, memória e academia. 

Esquenta na COART: charme e periferia 

A semana intensa da COART terminou em alto astral, com a edição do “Esquenta na Coart” na sexta-feira, 16 de maio. E o ritmo da vez foi o charme. O evento contou com um aulão de passinho comandado pelo por Bryan Pinheiro, seguido de uma apresentação do grupo CharmeBXD, coletivo da Baixada Fluminense criado em 2024.

Bryan Pinheiro ensinando os passos do charme (Foto: Equipe COART)

Fundado por Eduardo Roxo, Junior Santos e Lucas Martins, também DJs formados em Sonorização e Discotecagem pela Escola Popular de Artes da UFRRJ, o grupo tem promovido edições itinerantes do baile, criando um espaço de celebração e pertencimento. A apresentação na COART foi a segunda do grupo no espaço, e contou com coreografias exclusivas, performances e muito envolvimento do público.

Arte como resistência

A semana de 12 a 16 de maio na COART demonstrou, mais uma vez, a potência de uma política cultural comprometida com a diversidade, o acesso e a experimentação. A arte, nas suas mais variadas linguagens, da pintura ao passinho, do cinema ao carimbó, foi vivida como espaço de encontro, aprendizado e liberdade.

O belo no grotesco e seus resultados na primeira aula (Foto: Samira Santos)

Ao apostar no grotesco, no preto e branco, na ancestralidade e no som da periferia, a COART mostrou que não existe arte menor. Existe arte viva. E arte viva é aquela que pulsa com o corpo, que desafia o olhar, que dança no chão da sala de aula e se move com o ritmo das ruas. Uma arte que, como bem disseram Renan e Hugo, não precisa ser bela — precisa ser livre.

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