Mais uma semana transformadora na COART
Por Samira Santos
Na última semana de maio, a COART contou com uma programação intensa, refletindo seu compromisso com a arte como forma de expressão, resistência e diálogo. De cinema cult ao protagonismo indígena no audiovisual e um show de rap carregado de consciência social, a COART consolidou-se como espaço para vozes diversas. Confira o que aconteceu entre os dias 26 e 30 de maio.
Cine Cartola mergulha no delírio de “Mistérios e Paixões”
Na quarta-feira, 28 de maio, o já tradicional Cine Cartola trouxe para o público universitário e comunidade o filme Mistérios e Paixões (1992), dirigido por David Cronenberg. Com exibição gratuita no auditório Cartola às 16h, a sessão atraiu fãs de cinema autoral e amantes do universo surreal do cineasta canadense.
A trama, baseada livremente no livro Naked Lunch de William S. Burroughs, acompanha Bill Lee (Peter Weller), um exterminador de insetos frustrado que busca se tornar escritor. Ao experimentar a substância usada no trabalho, Lee mergulha em uma jornada psicodélica onde máquinas de escrever ganham vida e se tornam insetos falantes. O longa, carregado de metáforas sobre vício, criatividade e loucura, provocou reflexões após a exibição.
Cinema indígena em destaque: Tendy Koatiara Nhembo’esaba emociona e conscientiza
Na quinta-feira, 29 de maio, a COART recebeu a exibição de curtas produzidos na 1ª Formação Audiovisual Indígena Tendy Koatiara Nhembo’esaba. O evento, aconteceu no auditório Cartola às 18h, e reuniu realizadores indígenas, estudantes e professores em uma experiência que ultrapassou o cinema.
A mostra é fruto da parceria entre a Verama Filmes, a Escola de Cinema Indígena da Universidade Multiétnica da Aldeia Marakanã e a COART, com apoio do Governo Federal e da Secretaria de Cultura do RJ via Lei Paulo Gustavo. Mais que entretenimento, a sessão foi um ato político e cultural ao exibir narrativas autênticas sobre territórios, memória, espiritualidade, ancestralidade e resistência.
Diretor, roteirista e produtor Silvio de Andrade, sócio-diretor da Verama Filmes, conta suas experiências com o cinema como ferramenta de retomada cultural. “No idioma tupi, Tendy significa luz, e Koatiara, escrita. Tendy Koatiara é a escrita feita de luz. Já Nhembo’esaba é escola. Esse nome reflete a proposta de uma formação que vai além da técnica: é sobre pertencimento, sobre reescrever o cinema com uma linguagem decolonial, com protagonismo indígena de verdade.”

Apresentação dos curtas indígenas e roda de conversa (Foto: Equipe COART)
Silvio destacou ainda o papel simbólico da exibição na universidade pública.“Trazer esses filmes para dentro da Uerj é um gesto político. A Aldeia Marakanã resiste todos os dias. E cada um desses filmes é uma flecha lançada contra o apagamento.”
O momento mais comovente da noite foi a homenagem à estudante Eugênia Fernandes, protagonista de um dos curtas e falecida recentemente. “Ela deixou uma marca profunda em todos nós. Sua força e sua arte continuam vivas.”
Silvio resumiu o espírito do evento com uma frase que ficou ecoando no auditório. “Esse cinema é sobre coletividade, sobre olhar nos olhos do outro e reconhecer nele a própria história. É uma retomada — não só dos territórios, mas também das imagens.”
Prese no Esquenta: o RAP do CPX do Lins toma a COART
Na sexta-feira, 30 de maio, a semana encerrou com a energia do Prese, grupo de rap vindo da comunidade Camarista Méier, que subiu ao palco do Salão 2 da COART para um show que mesclou lirismo, crítica social e carisma. A apresentação fez parte do projeto Esquenta na COART, versão renovada do antigo “Sextou”, que abre espaço semanalmente para artistas independentes.
Formado por Saú, Arkhimedes, Sahlim e o DJ Costela, o Prese levou ao público um repertório que passeia por suas experiências nas periferias do Rio de Janeiro. Com letras afiadas e beats pulsantes, os artistas fizeram o público levantar ao som de versos que falam sobre violência policial, racismo, desigualdade e, sobretudo, resistência.

Prese durante suas apresentações no Rio (Foto: Samira Santos)
Em entrevista à COART, o integrante Sahlim falou sobre a emoção de se apresentar em um espaço universitário como a Uerj. “A gente sempre vai falar que o Prese é fruto da política de cotas da Uerj, dessa vitória popular e principalmente negra dentro da universidade. Então, estar aqui é fazer parte dessa história.”
O show teve um significado ainda mais profundo por ter ocorrido dias após o grupo sofrer um episódio de racismo em uma casa cultural no centro do Rio. “A resposta foi dar um show com o coração”, disse Sahlim.
Arte como ação política
Mais do que uma sequência de eventos culturais, a semana na COART foi marcada por uma interseção simbólica entre arte e território. A curadoria da programação refletiu um panorama de diversidade e crítica social: cada apresentação teve seu papel na construção de um espaço plural e acessível.
A roda de conversa que se seguiu à exibição indígena e o bate-papo informal após o show do Prese foram momentos de encontro genuíno. Como reforçou Sahlim: “Se você tem uma caneta na mão e pretende escrever coisas, precisa ter responsabilidade. O hip-hop é político, preto, favelado. E nós estamos aqui para manter essa mensagem viva.”
O futuro que pulsa
Os próximos passos para os coletivos que passaram pela COART são muitos. A Escola de Cinema Indígena planeja o Festival de Cinema Indígena Tendy Koatiara, previsto para o segundo semestre, com curtas e longas-metragens. Já o Prese está em estúdio produzindo seu próximo álbum, Do Bocal Coffee, ainda sem data de lançamento.
Mas o espírito que move todos os envolvidos parece ser o mesmo: seguir criando, resistindo e ocupando espaços com arte. E para a COART, a semana foi mais uma confirmação de sua importância como Centro Cultural da Uerj. Entre a urgência das pautas sociais, a beleza da diversidade estética e o poder transformador da escuta, ficou claro: quando a arte encontra um espaço de acolhimento e liberdade, ela reverbera muito além das paredes da universidade.